rabiscos…

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
bota a gente comovido como o diabo.
Carlos Drummond de Andrade

[Se posso dizer, então, que a terapia é uma espécie de conhaque metafórico… o conhaque deve ser um tipo de terapia engarrafada, assim como o uisque, que é o cão engarrafado de Vinícius. Um tratamento de choque, que só é aconselhável para os muito corajosos.]250px-Cognac

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E se o Cartola tivesse visto um liquidificador ao invés de um moinho?

liquiHá dias em que parece que nosso duplo cai em um liquidificador ligado. Muito insensível, ele gira, gira e gira com nossa alma lá dentro. Por sorte, em alguns casos, as laminas estavam cegas e só fomos arremessados de um lado ao outro. Quando uma alma bondosa, que percebe a situação, vem e desliga o aparelho, depois do atordoamento, nos perguntamos: quem nos empurrou alí dentro? Triste saber que fomos nós mesmos. Já bastasse o dia difícil e a resposta dolorosa que acabamos de ouvir, a situação se complica um pouco mais ao perguntamos para o farmaceutico se existe algum dorflex para as dores da alma e descobrirmos, perplexos, que existir, até existe, mas que o princípio ativo dele é o tempo.

Marcelo Marchiori

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Sexo oral: prazer, poder e culpa.

Sábado à tarde, caminhando à toa pela rua e escuto uma jovem dizendo à outra: ‘mas você beija a sua mãe com essa boca?’ E a garota que emitiu a sentença, não se expressava em tom jocoso. O rosto fechado e sério, como se fosse uma decisão jurídica, sem possiblidade de recorrer a qualquer misericórdia por parte da juíza.
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Eu e minha mente vazia, oficina do diabo, começamos a conjecturar de onde veio aquela frase. Não havia menção de que um palavrão ou coisa parecida tivesse sido dito pela moça repreendida pela amiga. Pensei, como segunda hipótese, no famigerado sexo oral. Mas por que ele seria motivo de tanta crítica? Frente a isso, não tive como não me lembrar de Freud e as teorias da repressão sexual.

Não que eu acredite que toda a base do psiquismo humano seja a sexualidade, mas convenhamos, uma boa parte está alí iniciada. Se alguns eventos estão diretamente ligados à história da humanidade, eles são a morte, a sexualidade e o poder e para pensar, mesmo que de forma rudimentar, sobre o papel do sexo oral nas relações humanas, eu tenho que tratar um pouco desses 3 assuntos.

O orgasmo feminino é privilégio dos seres humanos e isso muda tudo. Claro que as fêmeas de outras espécies sentem prazer no intercurso sexual, mas nenhuma fêmea do mundo animal experimenta o mesmo delicioso prazer que as mulheres, pois o orgasmo não está apenas associado ao prazer físico, mas também é estimulado por fatores emocionais. A possibilidade de sentir prazer e, por isso, não conceituar o sexo com fins unicamente reprodutivos coloca a mulher num papel diferenciado das fêmeas de outros animais. A postura vertical obrigou a humanidade a reconsiderar as formas de acasalamento [anteriormente o coito era feito com a fêmea oferecendo os quadris para o macho, em um ato breve e com finalidade muito específica, a continuação da espécie]. O encontro face a face entre os parceiros estimula um contato diferenciado e influencia diretamente nas relações humanas. O sexo, como é feito por nós, humanos, tem caráter subversivo e desafia a ordem ‘natural’ das coisas.

Falar sobre a história da sexualidade humana, sem tocar diretamente em suas implicações político-psicológicas é disfarçar o tema. Na história da humanidade, e nem preciso discorrer muito sobre o assunto, é notório, a mulher sempre foi colocada em situação desfavorável. Tratada por inúmeras culturas e épocas como escrava coletiva ou individual. Nos melhores casos, era protegida, mas a visão ainda era de uma menor idade intelectual e, por isso, deveria ser tutelada pelo pai, marido ou outros possíveis cuidadores. A necessidade de reprimir a mulher e seu desejo está diretamente ligada ao desejo masculino de reprimir a natureza e suas projeções, no caso, o feminino. O homem que controla e modifica a própria natureza, que não pode estar sujeito à sorte de todas as coisas naturais, senhor de seu próprio destino e sexualidade, aquele que enfrenta e passa a dominar os deuses.

Se invertermos a lógica e assumirmos que o humano está sujeito aos desígnios divinos, pouca coisa muda, pelo menos no campo prático. Voltamos ao pensamento de que o sexo entre pessoas de mesmo poder é subversivo e perigoso para os desejos dos deuses. Por que deveríamos merecer uma atividade tão prazerosa, já que nós, humanos, só podemos viver em função da divindade? Sentir e acreditar em uma felicidade que esteja desconectada da religião não pode dar em boa coisa. O que fazer então? Resposta: mais uma vez, reprimir a natureza em sua projeção, a mulher… não devemos permitir os desejos da carne. Prestaremos conta de nossos atos agora ou depois da morte e isso assusta. O medo é um dos melhores amigos do ódio e da repressão.

Haja o que houver destina-se ao homem o direito de salvaguardar os interesses humanos, sejam eles em confluência com os interesses divinos ou não. Obviamente que tanto poder nas mãos de único gênero [que ainda tenho minhas dúvidas se não é o menos esperto de todos] não poderia dar certo. O homem heterossexual, ativo, sem quaisquer trejeitos femininos ou indícios de falha em sua masculinidade é talvez a pior caricatura que conseguimos criar de nós mesmos. Infelizmente, ainda prevalece até hoje.

Sou acusado de dar muitas voltas até chegar ao tema que realmente importa, mas acredite, eu ainda estou falando sobre o sexo oral.

Pois bem, o sexo oral é, para muitas mulheres, uma das formas mais fáceis de chegar ao orgasmo. A leitora que já se permitiusoral2 a prática do sexo oral, ou o leitor que não foi um idiota e não teve receios de proporcionar prazer à mulher com quem se relacionava, sabe muito bem disso. Claro que não existe uma receita de bolos, mas o contato com o clitóris [lembra-se da lenda do ponto G?] fica facilitado. Ainda assim, uma pesquisa sobre sexualidade feminina realizada em 1975, por Shere Hite, constatou que uma grande parte das mulheres tinha receio em receber o sexo oral e, a maior preocupação, estava relacionada ao cheiro e a higiene dos órgãos sexuais.

É óbvio que de 1975 pra cá um tanto de coisas mudaram, mas ainda é uma tendência a se pesquisar. O sexo oral se transforma [junto com a prática do sexo anal, mas esse fica pra outro artigo] uma das práticas sexuais com maior preconceito. Talvez ele não possa ser culpado de engordar, mas é constantemente acusado de imoral, ilegal ou anti-higiênico. Para muita gente, a proximidade dos órgãos sexuais com os órgãos de excreção condenaria a essas partes do corpo uma suposta sujeira. Balela… com a higienização correta, tais partes do corpo são tão limpas e cheirosas como o resto do corpo, além de que, em condições saudáveis, a vagina e o pênis contêm menos germes do que a boca. Quanto ao fato de ser uma atividade que não possui fim reprodutivo, gostaria que o/a leitor[a] fizesse uma listagem mental de todas as outras atividades sexuais que não têm como finalidade a procriação [começando pelo beijo].

A mulher pode se libertar desse receio e permitir as sensações causadas pela boca do parceiro, mas ainda assim teria que encarar o machismo. O homem, suposto detentor da atividade sexual, pode sentir-se intimidado diante da vagina e colocado em desvantagem ao se preocupar, durante um tempo, exclusivamente com o prazer feminino. Posso pensar as vantagens em se praticar o sexo oral tanto pela via relacional, política, social ou mesmo pela egoísta, em qualquer uma delas, elevar o desejo feminino a outros patamares de prazer é vantagem para o homem.

Enfim, sexo bem feito é quando a obtenção de prazer por ambas as partes é levada em conta. Talvez a revelação que um amigo me fez uma vez, case bem com esse ensaio. Segundo ele, quando criança, ao ouvir falar sobre sexo oral, imaginou que se tratava de falar sobre sexo. Se levarmos em conta essa concepção infantil sobre o sexo oral, ele se faz ainda mais necessário entre os casais.

Marcelo Marchiori

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